Penumbra #1: Relato - "Pedido mudo de socorro"
- Nelson Albissú

- 17 de jul. de 2022
- 2 min de leitura
Olá, este relato foi retirado do livro "Contos de Mistério & Assombros" de Nelson Albissú. Eu, André Tavares, publico este com o texto original escrito por Nelson e publicado pela Cortez Editora. [ver referência]
Referência
"Que esta minha escrita de histórias, contadas de uma geração a outra, chegue aonde a minha boca não alcança e se transforme no elo entre os que me contaram com aqueles que as lerão"
(ALBISSÚ, Nelson. Contos de Mistério & Assombros. 1ª Edição. São Paulo: Cortez Editora, 2012.)
Naquele dia suarento de verão, parecia que o Diabo havia aproveitado para abrir a porta do inferno. Doentes e acidentados se acumulavam em corredores, balcões, filas de espera, pronto-socorro e sala de emergência do hospital. Uns sendo engessados, outros suturados, consultados, enfaixados, medicados, abertos e alguns morrendo. Suor, reclamações, choros, protestos, cheiro de urina e fezes tomavam conta do ambiente.
Exausto do cansativo dia, mas prestativo como sempre fora, doutor Marcelo, que havia dobrado o plantão por causa da falta de um colega, corria feito louco da sala de emergência ao pronto-socorro atendendo um e outro. Absorto e empenhado em amenizar tamanho caos, quando atendeu ao pedido para fazer jornada dupla de trabalho, nem se lembrou de seus melhores convites da vida: brincar com a filha na piscina, dar mais beijos na esposa, levar o cachorro para passear no jardim localizado do outro lado do quarteirão da sua casa.
Ao terminar suas anotações na ficha do último paciente atendido por ele, deparou com um homem que havia entrado ao consultório sem ser chamado.
- Pois não? - perguntou.
O homem não respondeu nada; apenas olhou no fundo dos olhos do médico, como quem pedia socorro.
- Posso ajudá-lo?
O homem continuou mudo, com aquele olhar agoniado, tão conhecido do doutor Marcelo, que, apesar dos anos de profissão, ainda o atormentava.
-Sua ficha?
A mesma expressão e o mesmo olhar clamando por ajuda.
Então, o médico saiu em direção ao balcão, para pedir a ficha daquele paciente. No corredor, ele estremeceu ao ver, num relance, uma enfermeira cobrindo o rosto de um homem deitado numa maca, onde acabara de falecer, na fila de espera para ser atendido.
Era o mesmo homem que ele havia deixado no seu consultório.



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